Responsabilização Penal Para Crimes Sexuais No Metaverso


Publicado em:
09/08/2023
Flávia Giovana Ferreira Pereira
Flávia Giovana Ferreira Pereira
Advogado

Com a popularização do metaverso, surge a necessidade de adaptação das normas jurídicas para prevenir, punir e investigar essas condutas criminosas, haja vista que enquanto alguns tipos penais podem ser facilmente aplicáveis à realidade virtual, ainda há lacunas jurídicas para outros. À vista disso, a impunidade de um abuso sexual à uma mulher por meio de avatar-humano representa a vulnerabilidade na proteção dos direitos de todas às mulheres, haja vista que a implicação da violência de gênero aos direitos humanos. Nesse sentido:

Não é preciso ir tão longe para constatar que violações cometidas no metaverso possuem implicações a direitos humanos, ainda que sejam direcionadas a impactar somente pessoas virtuais. Isso porque terão impactos para toda a comunidade, independente das vítimas diretas, pois esses direitos constituem base da própria ordem jurídica que fundamenta a existência do metaverso, principalmente se compreendermos a existência de dimensão democrática na governança do metaverso. Assim, se uma mulher avatar sofre abuso sexual no metaverso, a violência representa uma vulnerabilidade na proteção dos direitos de todas as mulheres — reais e representadas no mundo virtual (SERVA, JUNIOR, 2022, pág. 304).

Inclusive, sabe citar que recentemente uma pesquisadora da BBC adentrou um ambiente virtual do metaverso se passando por uma criança de 13 anos, testemunhando aliciamento de menores, divulgação de material sexual, insultos racistas e até uma ameaça de estupro. Ademais, outros usuários relataram também terem encontrado avatares controlados por crianças em clubes de strip virtuais, onde é possível assistir material sexual explícito (VERENICZ, 2022). À vista disso, o metaverso permite o uso de personagens virtuais para cometer atos sexuais, o que acaba incentivando ainda a disseminação de pornografia infantil virtual e a exploração sexual de crianças, além do assédio sexual.
Portanto, a problemática atinge ainda mais setores. Apesar da imperiosidade da responsabilização penal da problemática, considerando-se o atual tratamento jurídico aos avatares-humanos, nos crimes sexuais ainda há uma dificuldade de punição dos criminosos em casos de lesão à presença virtual da vítima, em forma de avatar, não se enquadrando no crime de estupro virtual ou até mesmo na importunação sexual. Ocorre que importunar sexualmente um avatar, não é crime à luz do direito penal vigente. Nesse sentido:

Conforme as lições de Serec trazidas pelo livro “Metaverso”, foi possível interpretar que o avatar-humano do metaverso ainda não é um bem jurídico tutelado, e que poderia haver questões de erro de tipo em possíveis crimes sexuais no metaverso. Avatar, nas palavras de Serec et al (2022), ainda não pode ser considerado “alguém”, “desse modo, a conduta de matar um avatar, agredir um avatar ou importunar sexualmente um avatar, por mais imoral e indesejável que o seja, não é, ao menos à luz do direito penal vigente, crime.” (GIMENES, 2022).

À vista disso, há uma lacuna legislativa que impossibilita a responsabilização penal em certos casos, haja vista que atos libidinosos praticados contra avatares das vítimas não se enquadram na figura de estupro virtual, bem como não podem ser considerações como atos de importunação sexual. Como já analisado, para ser considerado estupro virtual, é necessário ameaça ou violência a vítima para que esta faça algum ato libidinoso de forma virtual, de forma a satisfazer a contemplação lasciva do agente. Em contraponto, para ser considerado importunação sexual, é necessário que a vítima esteja presente, mesmo que não ocorra toque físico.
Dessa forma, é necessário refletir sobre como punir esses agressores, haja vista a necessidade prevenção e reparação desses danos causados pela violência de gênero no metaverso. Considerando que a criminalidade no metaverso tem características próprias, é necessário adaptar leis e regulamentações para lidar com algumas situações específicas, haja vista que o avanço tecnológico e as particularidades do metaverso apresentam desafios significativos. Nesse sentido, a falta de regulamentação específica para o ambiente virtual torna difícil a aplicação em alguns crimes cometidos no metaverso:

É importante reforçar que mesmo o legislador atentará às particularidades do metaverso e, em algum momento, será necessário conceber a ideia de normas que tratem especificamente do uso dessa nova tecnologia. Em uma compreensão possivelmente utópica, mas inevitável, ainda mesmo tratados internacionais podem se fazer necessários para regular a falta de territorialidade em ambientes descentralizados no metaverso e outras questões que transcendem a soberania estatal. (SEREC, 2022. Pág. 44).

À vista disso, a questão de assédio sexual contra avatares-humanos é um exemplo prático de legislação que necessitaria de adaptação, haja vista que há uma lacuna legislativa que não permite a responsabilização nesses casos. Dessa forma, seria necessário estabelecer algumas normas e limites para as atividades realizadas dentro do metaverso, dirimindo essas dificuldades e garantindo a responsabilização dos autores de crimes cometidos no Metaverso. O legislador do Código Penal não teria como prever situações que surgiram agora envolvendo avatares-humanos, mas é possível refletir sobre a necessidade de proteção jurídica a esses casos:

Em 1940, quando o Código Penal Brasileiro foi elaborado e sistematizado, a não ser que o viajante do tempo Pedro Roiter participasse do Poder Legislativo da época, ninguém jamais ouvira falar em avatares humanos, razão pela qual eles jamais poderiam ter sido elevados a bem jurídicos penalmente tutelados. Nada impede, todavia, que em breve a sociedade valore seus avatares tanto quanto estima suas próprias vidas, impondo que o tipo penal do homicídio alcance condutas que lesionem não apenas a vida física e material de alguém, mas também sua existência virtual. Com o passar do tempo a relação que os serem humanos desenvolverão com seus avatares se transformará, e possivelmente a identificação entre nosso corpo físico e sua representação virtual no metaverso será imensa. Nesse contexto, não é difícil imaginar que novos tipos penais serão criados, ou mesmo os atuais serão modificados para incluir elementos do mundo virtual entre os bens jurídicos penalmente tutelados. (FINGERMANN; PAIVA; 2022, in SEREC, 2022, pág. 421).

Sendo assim, uma atualização legislativa que incluísse a responsabilização penal em situações de violência de gênero contra avatares-humanos, talvez prevendo até outros crimes, pode ser uma possiblidade bastante em breve. Sabe-se que a legislação anda mais devagar que a realidade, sendo quase impossível manter-se atualizada com a tecnologia que evolui mais a cada dia, porém, a responsabilização penal nesses casos é algo imperioso.
Ademais, é importante que sejam estabelecidos mecanismos de controle para o combate à criminalidade no metaverso, não apenas contra a violência de gênero. Nesse sentido, é preciso que sejam estabelecidos órgãos responsáveis pela fiscalização do ambiente virtual, bem como a criação de sistemas de denúncias para que os usuários possam informar sobre condutas criminosas.


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