Prescrição Intercorrente das Execuções Fiscais de IPTU


Publicado em:
15/06/2023
Renan Bastos Nunes
Renan Bastos Nunes
Advogado

Introdução

Após a consagração do direito devido processo legal como direito fundamental do homem, o Estado só pode executar alguma dívida tributária por meio de processo judicial, atualmente regulado no Brasil pela lei n.º 6.830/1980.

Ocorre que, na maioria dos casos, o Estado-credor abusa do direito de cobrar, ajuizando ações das dívidas sem que faça a devida movimentação que cabe aos autores das ações em geral, cobrando, inclusive, por dívidas já prescritas.

É prática comum, nas prefeituras de todo o Brasil, o ajuizamento da ação de execução fiscal, regular, válida e dentro do prazo. A depender da máquina judiciária, ainda há ações em que há o despacho do juiz ordenando a citação e esta é realizada pelo oficial de justiça. Porém, há situações em que o contribuinte-devedor ou bens penhoráveis não são encontrados - e isso é explicitado pelo oficial de justiça, por vários motivos: o endereço não existe, está incompleto ou, de fato, não há pessoas residindo no endereço indicado.

Problemática

A questão é quando esta citação não realizada por completo retorna ao Judiciário. Nos termos da lei n.º 6.830/1980, em seu artigo 40, é dever do juiz, de ofício, suspender o curso da execução (estando suspensa também a prescrição) e abrir os autos ao respectivo procurador fazendário. A partir da suspensão, conta-se 1 (um) ano, findos os quais, o juiz, mais uma vez de ofício, arquivará os autos. Esta última ação só será desfeita se for o devedor ou bens para penhora encontrados.

O que ocorria (ou que ainda ocorre, por desconhecimento da população)? A Fazenda passa anos sem movimentar a ação e, quando encontra o devedor ou bens para penhora, mais de 5 (cinco) anos depois, passa a cobrá-la administrativamente, ameaçando o contribuinte de penhora, quando, na verdade, já há ação judicial prescrita.

Mudança legal e jurisprudência

Em 2004, foi editada a lei n.º 11.051/2004, que acrescentou o parágrafo 4º ao artigo, explicitando a situação de prescrição intercorrente nos casos de arquivamento por mais de 5 anos. Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça confirmou esse entendimento, por meio do Recurso Especial n.º 1.340.553/RS, julgado por meio da sistemática dos Recursos Repetitivos e Recursos Representativos de Controvérsia.

Destaca-se importante trecho da ementa:

"(...) Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput, do art. 40, da LEF, somente a lei o é (ordena o art. 40: "[...] o juiz suspenderá [...]"). Não cabe ao Juiz ou à Procuradora a escolha do melhor momento para o seu início. No primeiro momento em que constatada a não localização do devedor e/ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo de suspensão, na forma do art. 40, caput, da LEF. Indiferente aqui, portanto, o fato de existir petição da Fazenda Pública requerendo a suspensão do feito por 30, 60, 90 ou 120 dias a fim de realizar diligências, sem pedir a suspensão do feito pelo art. 40, da LEF. Esses pedidos não encontram amparo fora do art. 40 da LEF que limita a suspensão a 1 (um) ano. Também indiferente o fato de que o Juiz, ao intimar a Fazenda Pública, não tenha expressamente feito menção à suspensão do art. 40, da LEF. O que importa para a aplicação da lei é que a Fazenda Pública tenha tomado ciência da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido e/ou da não localização do devedor. Isso é o suficiente para inaugurar o prazo, ex lege. (...)" (REsp 1.340.553/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 16/10/2018)

Da leitura, observamos que pouco importa o pedido da Fazenda Pública ou se expressamente o juiz menciona a suspensão do art. 40 da LEF (até por que, se nem o cidadão comum pode se escusar do conhecimento da lei, o juiz e o procurador fazendário tampouco). O mandamento legal é no sentido de a suspensão ocorrer automaticamente assim que a Fazenda Pública é intimada da não localização do devedor ou de bens penhoráveis.

No título, destacamos as execuções fiscais de IPTU tão-somente por este ser o imposto que mais abarrota os tribunais com execuções fiscais municipais, mas o acima dito dispositivo legal e jurisprudência se aplicam a toda e qualquer execução fiscal de qualquer imposto, taxa, contribuição de melhoria ou tributo regularmente previsto na Constituição ou em lei.

Conclusão

As prefeituras usam e abusam do desconhecimento da população pelos seus direitos e continuam cobrando dos contribuintes impostos que já estão invalidados pelo poder da prescrição intercorrente. É necessário fazer um trabalho de educação da população para que esse abuse cesse imediatamente, senão a máquina judiciária continuará travada bem como energia e dinheiro sendo gastos para ser cobrado dinheiro que nunca será recebido - ou, pelo menos, não deveria ser recebido, de acordo com a lei.

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