O TELETRABALHO NO BRASIL: A FISCALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE LABORAL VERSUS A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, O DIREITO À INTIMIDADE E A VIDA PRIVADA


Publicado em:
21/05/2023
Leonardo Yan Do RosÁrio Farias
Leonardo Yan Do RosÁrio Farias
Advogado

INTRODUÇÃO
A Revolução Industrial 4.0 trouxe a prosperidade do trabalho em sua forma digital, destacando-se a Gig Economy, a uberização, dentre outras informalidades ratificadas pela Lei n. 13.467/2017. Além disso, somando-se à ocorrência da pandemia da COVID-19, as discussões acerca do teletrabalho tornaram-se recorrentes, em razão das normas e diretrizes do isolamento social.
Os empregadores têm apostado cada vez mais nessa modalidade de relacionamento contratual, afinal, o teletrabalho representa diminuição de custos para o empregador, menor mobilização imobiliária e mo¬biliária patronal (SANTOS, 2021).
Analisando outro aspecto, o ambiente, a técnica e o homem são os três elementos essenciais para analisar a composição basilar do meio ambiente de trabalho (MARANHÃO, 2016), sendo este último o elo central. Devido sua imprescindibilidade, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus arts. 157, I e 75-E, indica que cabe às empresas cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho e instruir os empregados quanto às precauções, evitando, assim, doenças e acidentes do trabalho (BRASIL, 1943).
Vale olvidar que a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 5º, XI, que a casa é asilo inviolável do indivíduo, não podendo penetrar sem seu consentimento. A Carta também protege (art. 5º, X) os aspectos da intimidade e da vida privada do sujeito.
Ante a breve síntese, a presente pesquisa busca fazer a interligação da fiscalização do meio ambiente do trabalho do obreiro em regime do teletrabalho, sem que tal ato incorra em violação aos preceitos da intimidade e da vida privada, esculpidos no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal de 1988.

PROBLEMA DE PESQUISA
Como poderá ser realizada a fiscalização do meio ambiente dos empregados sujeitos ao regime do teletrabalho sem contrariar os preceitos constitucionais da inviolabilidade do domicílio, intimidade e da vida privada do sujeito?

OBJETIVOS
Analisar de que forma poderá ser conciliado os preceitos constitucionais da inviolabilidade do domicílio, intimidade e da vida privada do sujeito com a fiscalização do meio ambiente do teletrabalhador.

METODOLOGIA
Utilizou-se de um enfoque qualitativo pelo método dedutivo, baseando-se no tipo da pesquisa bibliográfica, tendo sido destacado artigos científicos e juristas como Ney Maranhão, além dos Enunciados proferidos na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

CONCLUSÕES
O art. 6º da CLT estabelece que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.” (BRASIL, 1943). Portanto, mesmo à distância, há mecanismos capazes de invocar o jus variandi para exercício da fiscalização pelo empregador.
O Enunciado 72 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) elucida que não basta a subscrição, pelo teletrabalhador, do termo de responsabilidade comprometendo-se em seguir as instruções fornecidas, ou seja, o empregador não está desobrigado dos danos advindos dos riscos do teletrabalho.
O Enunciado 83, da mesma Jornada, ensina que a referida modalidade contratual também não exime o empregador de adequar o ambiente de trabalho às regras da NR-7, NR-9 e do art. 58, §1º, da Lei 8.213/91, quais sejam: a obrigatoriedade de PCMSO, PPRA e LTCAT, tampouco de fiscalizar o ambiente de trabalho, realizando treinamentos.
As empresas devem cercar-se de todas as cautelas possíveis para assegurar que o teletrabalho seja desenvolvido em condições adequadas. Domingues (2021) defende caber ao empregador "realizar vistorias e adequar o ambiente de trabalho do empregado submetido no teletrabalho, sob pena de ter sua culpa presumida no evento danoso".
O assunto foi alvo de debate XIX do Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho (Conamat), onde, pelo Enunciado n. 23, ficou definido que a fiscalização do meio ambiente deverá ocorrer com a anuência e presença do empregado ou de alguém por ele indicado, tendo por único objeto o controle da atividade laboral e dos instrumentos relacionados, respeitando todos os direitos fundamentais do empregado.
Em um contexto interpretativo, Zwicker (2021) defende, em razão das peculiaridades, uma aplicação analógica, aos empregados sujeitos ao regime do teletrabalho, do art. 11-A da Lei n. 10.593/2002, que trata da fiscalização do trabalho doméstico, isto é, dependerá de agendamento e entendimento prévio entre a fiscalização e o empregador.
Importante ressaltar que o ordenamento brasileiro não possui dispositivo versando sobre a matéria. A MP 1.108/2022 incluiu o §9º no art. 75-B da CLT, normatizando que “acordo individual poderá dispor sobre horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais.” (BRASIL, 2022). Assim, defende-se que, por intermédio dessa forma de comunicação, o empregador poderá avisar acerca das eventuais fiscalizações que ocorrerão.
Em alusão ao direito comparado, Portugal já se pronunciou sobre a temática, conforme Código Trabalhista, em seu artigo 170º, itens 3 e 4, estabelecendo que “A visita prevista no número anterior só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho, e apenas pode ser efetuada na presença do trabalhador durante o horário de trabalho acordado nos termos da alínea d) do n.º 4 do artigo 166.” (PORTUGAL, 2009). Também é requisito o aviso prévio de 24 horas e concordância do trabalhador.
Destarte, a elaboração de lei específica, tal como fez Portugal, pode ser um dos possíveis a caminhos a serem trilhados no Brasil. Se, de um lado, a Constituição estabelece que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo penetrar sem consentimento do morador, por outro define, no art. 7º, XXII, que é direito do trabalhador, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Assim, conclui-se a presente pesquisa na direção de que a fiscalização do meio ambiente do teletrabalhador deverá ocorrer com o consentimento do empregado, após prévio agendamento e desde que a referida fiscalização seja restrita a atividade laboral e instrumentos do trabalho, respeitado o horário comercial, restando preservado a intimidade, o asilo inviolável e a vida privada do sujeito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANAMATRA. Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, Enunciados 72 e 83. Brasil, 2018. Disponível em: https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/26227-enunciados-aprovados-na-2-jornada-de-direito-material-e-processual-do-trabalho-sao-organizados-por-tema. Acesso em 04 de maio de 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 06 de maio de 2022.

BRASIL. Medida Provisória nº 1.108, de 25 de março de 2022. Dispõe sobre o pagamento de auxílio-alimentação de que trata o § 2º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e altera a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1108.htm. Acesso em 25 de abril de 2022.

CONAMAT. XIX do Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho, Enunciado 23. Disponível em: https://www.anamatra.org.br/attachments/article/27175/livreto_RT_Jornada_19_Conamat_ site.pdf. Acesso em 24 de abril de 2022.

DOMINGUES, Rodrigo Bulcão Vianna. A responsabilidade civil do empregador em casos de acidente ou doenças no teletrabalho após a reforma trabalhista. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, Florianópolis v. 21 n. 30 p. 1-512, 2018. ISSN 1984-3658. Disponível em: https://www.trt12.jus.br/portal/areas/escola/extranet/documentos/REVISTA_TRT12_ED_30_2018.pdf. Acesso em 25 de abril de 2022.

MARANHÃO, Ney Stany Morais. Meio ambiente do trabalho: descrição jurídico-conceitual = Work environment: jurídicas an conceptual description. Revista de direito do trabalho, São Paulo, SP, v. 42, n. 170, p. 139-165, jul./ago. 2016.

PORTUGAL. Código de Trabalho. Lei n.º 7/2009. Diário da República n.º 30/2009, Série I de 2009-02-12. Disponível em: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2009-34546475. Acesso em 05 de maio de 2022.

SANTOS, Michel Carlos Rocha. Direito individual do trabalho [recurso eletrônico]: temas da atualidade/. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2021. E-book (137 p.). ISBN: 978-65-00-28689-2.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Teletrabalho, fiscalização do meio ambiente de trabalho e inviolabilidade de domicílio: no confronto entre o direito à propriedade, à intimidade e à vida privada versus a própria vida e a existência digna da pessoa humana, qual direito prevalece? In: Jornal. 59º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. LTr, 2021. Disponível em: http://www.ltr.com.br/congressos/jornal/direito/jornal_direito.pdf#page=25. Acesso em 06 de maio de 2022.

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