Crimes Contra Mulheres No Metaverso


Publicado em:
09/08/2023
Flávia Giovana Ferreira Pereira
Flávia Giovana Ferreira Pereira
Advogado

Entre os crimes mais comuns de serem praticados na internet, se destacam os “crimes virtuais contra mulheres”, que envolvem casos de perseguições, ofensas, difamação, assédio e a distribuição e vídeos pessoais, bem como o próprio estupro virtual, que envolve coação para a produção de conteúdo sexual sob a ameaça de divulgação de fotos e vídeos” (SILVA, 2021 apud GIMENES, 2022).
Nesse viés, destacam-se os crimes de violência sexual, que, de acordo com convenções internacionais, se tratam de qualquer ato sexual ou tentativa de obtenção de ato sexual por violência ou coerção, ataques, comentários ou investidas sexuais indesejados ou diretamente contra a sexualidade de uma pessoa, independentemente da sua relação com a vítima (GIMENES, 2022).
Infelizmente, tais crimes ocorrem também no metaverso. Como um novo universo digital, o metaverso apresenta uma variedade de possibilidades para a realização de atividades criminosas, haja vista que com o seu crescente desenvolvimento, surgem também novas oportunidades para a prática de crimes. Assim, com o aumento do uso da tecnologia e o desenvolvimento de plataformas virtuais, bem como do número de usuários e a crescente popularidade de jogos e plataformas, o Metaverso tem se tornado um novo mundo para a criminalidade.
Ocorre que, as pessoas que estão no metaverso são as mesmas que estão no mundo físico, sendo assim, o novo ambiente acaba sendo um espelho do mundo real. Inclusive, o mesmo se aplica para mulheres avatares-virtuais, que acabam por sofrer também com comportamentos agressivos, tais como agressões físicas e violências sexuais:

[...] Não há motivo para acreditar que avatares humanos não reproduzirão comportamentos mais violentos de alguns de seus senhores reais. É possível apostar que, em breve, essas novas realidades virtuais serão também permeadas de furtos e roubos de objetos virtuais; propriedades privadas no metaverso serão indevidamente invadidas por avatares que não são seus legítimos proprietários; avatares possuidores de grandes somas de criptoativos poderão se ver sequestrados por coabitantes desse mundo virtual; avatares serão vítimas de agressões físicas, violências sexuais e — por que não — serão mortos virtualmente por outros companheiros dessa aventura virtual (FINGERMANN; PAIVA; 2022 in SEREC, 2022, pág. 401).

Portanto, a violência sexual ocorre também no ambiente do Metaverso, haja vista que esse tipo de violência é propagado contra a mulher dentro desses espaços virtuais, da mesma forma que ocorre no mundo físico. Em um estudo realizado por Bezerra et al (2020 apud GIMENES, 2022), apontou-se que as mulheres são as maiores vítimas de crimes em ambientes virtuais. O pesquisador entrevistou usuárias do jogo Second Life que utilizam avatares do gênero feminino dentro da plataforma, concluindo que entre os crimes cometidos, os principais ataques foram contra a honra da vítima, ocorrendo ainda assédios e agressões físicas e sexuais. Sobre os efeitos destes ataques:

Sobre o conceito de violência virtual, segundo as vítimas, esta foi considerada um agravo que pode repercutir nas suas vidas, e que pode se manifestar de forma psicológica através dos xingamentos, humilhações, ameaças, e sob a forma física por meio das agressões física e sexual, chegando a invadir o seu espaço e afetando o emocional dessas mulheres (BEZERRA et al, 2020 epud GIMENES, 2022).

À vista disso, à título de exemplificação, cabe observar o caso de Nina Jane Patel, psicoterapeuta inglesa, de 43 anos, relatou ter criado um avatar parecido com suas características físicas (cabelos loiros na altura dos ombros, olhos claros e sardas no rosto), a fim de adentrar na plataforma de realidade virtual do Facebook quando ele estava virando Meta, com sua experiência de realidade virtual Horizon Venues. Segundo a psicoterapeuta, em menos de um minuto, quatro avatares masculinos a abordaram e a assediaram sexualmente:

Eles chegaram muito perto de mim, no início me assediando verbalmente. Depois, começaram a me assediar sexualmente, fazendo todos os tipos de insinuações sexuais possíveis. Então, apalparam e tocaram meu avatar de forma inadequada e passaram a me seguir. Eu dizia: ‘Parem, por favor, parem’. Mas eles continuaram. O que aconteceu comigo foi real. Eles me acusaram de querer que eles me assediassem sexualmente, dizendo que essa era a razão pela qual entrei na plataforma e coisas como: ‘Não finja que não está amando’. Aquilo estava cada vez mais surreal, e entrei em pânico. [...] Não consegui colocar os recursos de bloqueio com o tipo de controles manuais, mesmo tendo lido as instruções. A única coisa que podia fazer era tirar meus fones de ouvido enquanto eles continuavam gritando todo tipo de termos sexuais explícitos. Tudo isso durou cerca de três minutos. Foi muito agressivo, perturbador e bastante traumático (GIMENES, 2022).

Após a denúncia, a Horizon Worlds se manifestou no sentido de que irá manter um distanciamento mínimo de pouco mais de 1 metro entre os usuários. Nesse sentido, a empresa afirmou que a plataforma contará com um limite pessoal a fim de prevenir que alguém invada o espaço pessoal do avatar (G1, 2022). Contudo, conforme disposto anteriormente, a plataforma do Facebook é apenas uma entre dezenas de metaversos, não havendo nenhuma legislação que preveja que outras plataformas adotem ferramentas desse tipo.
Nesse sentido, destaca-se que condutas desses tipos são extremamente traumáticas, haja vista que quando a vítima se encontra conectada com elementos imersivos, tais como óculos de realidade virtual e vestimentas que reproduzem a experiência física, a agressão possuí um impacto psicológico muito semelhante ao do mundo real:

Situações como essas são potencialmente traumáticas para a vítima quando ela se encontra conectada a um jogo ou plataforma virtual somente por áudio ou por vídeo. Com o uso de óculos de realidade virtual e de vestimentas que reproduzem a experiência física e táctil no metaverso, multiplicam-se os impactos de um ato de assédio sexual cometido contra um avatar, com efeitos no mundo real à pessoa por trás da persona virtual.
Apesar do pouco tempo de existência, o metaverso já coleciona notícias sobre casos de violações de direitos humanos praticados entre usuários. São difundidas inúmeras denúncias de casos de assédio sexual, exposição de menores a conteúdo sexual explícito e racismo em mundos virtuais, a exigir prevenção, punição e reparação adequadas (FINGERMANN; PAIVA; 2022 in SEREC, 2022, pág. 301).

Contudo, apesar desses danos psicológicos às vítimas, a legislação pátria não tipifica crimes sexuais cometidos contra avatares-humanos dos usuários do metaverso, haja vista que se trata de uma conduta que não preenche os elementares dos tipos penais correspondentes. Enquanto crimes contra a honra são facilmente puníveis pelo Código Penal, haja vista que a o metaverso é mero meio para cometer o crime, o mesmo não ocorre em condutas de “atos libidinosos”. Observa-se o seguinte entendimento:

No crime de estupro, previsto no art. 213, do Código Penal, tem-se a grave ameaça e/ou violência, conforme explica o texto da lei: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Um exemplo de estupro sem o contato físico é o criminoso ameaçar a vítima para que esta se “toque” na região intima, com o objetivo de que o criminoso contemple sua lasciva. Neste caso, entende-se por contemplação lasciva “o ato de, sem tocar na vítima, mesmo à distância, satisfazer a sua libido com a nudez alheia”. Este exemplo de estupro ocorre com maior frequência via internet, o qual é chamado “estupro virtual”. Nesse caso, existe lesão à dignidade sexual da vítima.
No crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A, do Código Penal, o ato libidinoso ocorre também sem o consentimento da vítima, porém o criminoso não faz uso de grave ameaça e/ou violência. Um exemplo sem o contato físico é o criminoso se “masturbar” tendo a mulher como “inspiração”, mas isso sendo feito na presença dela, sem que tenha consentido para isso. Nesse caso, a dignidade sexual também é lesada, ainda que não haja contato físico com a vítima (GIMENES, 2022).

Nesse sentido, existe a prática de ato libidinosos sem o contato físico entre o agente e vítima. Contudo, conforme a legislação pátria, para ser estupro virtual, é necessário que haja ameaça ou violência à vítima para que esta faça algum ato libidinoso de forma virtual, a fim de satisfazer a contemplação lasciva do agente. Enquanto para ser considerado importunação sexual, é necessário que a vítima esteja presente, mesmo sem o toque físico. Portanto, atualmente a lesão à presença virtual da vítima em forma de avatar não é tutelada por nenhum dispositivo do direito brasileiro (GIMENES, 2022).

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