A Responsabilidade Pré-Contratual e suas Implicações
Publicado em:
19/07/2023
Advogado
O ato de contratar está intrínseco a ideia atual de sociedade, haja vista que quase diariamente realizamos contratos, seja na ida ao supermercado ou quando alguém pede a um amigo que cuide de seu pet enquanto está de viagem, ainda que não nos demos conta, estamos realizando contratos (verbais), e tais relações possuem normativas legais e deveres, sob risco de responsabilização por eventuais danos.
Nesse sentido, é natural o surgimento de dúvidas acerca do tema e, principalmente, das eventuais responsabilizações as quais estamos eventualmente sujeitos. No presente artigo, não se pretende de modo algum esgotar os dizeres acerca do tema, seria uma verdadeira pretensão irreal, antes disso, se busca de maneira mais prática explicar a responsabilidade antes mesmo de se encerrar o contrato, de modo mais técnico, a responsabilidade pré-contratual.
É de se rememorar que o contrato possui elementos bem definidos como as partes, a forma pela qual se está contratando, o objeto compreendido como bem discutido, e a vontade dos indivíduos. Nesse sentido, a Lei Civil prever no art. 104:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
de inicio compreenda que se trata da etapa preparatória a celebração de um contrato, ou seja, abrange atos de cunho negociais com fins em estipular contrato, ou seja, são tratativas e não precisam ocorrer de forma específica para serem assim entendidas, logo, abarca contato via e-mail, telefone, fax, reuniões presenciais, videochamadas, etc.
Neste ínterim, vale ressaltar que as partes não se obrigam a contratar, haja vista o princípio de liberdade contratual e autonomia privada, nesse sentido, é de se arguir a lição de Tartuce acerca do contrato:
“O contrato, como é cediço, está situado no âmbito dos direitos pessoais, sendo inafastável a grande importância da vontade sobre o instituto, eis que se trata do negócio jurídico por excelência. Entre os clássicos, leciona Carvalho de Mendonça que o domínio da vontade dos contratantes foi uma conquista advinda de um lento processo histórico, culminando com o “respeito à palavra dada”, principal herança dos contratos romanos e expressão propulsora da ideia central de contrato como fonte obrigacional. 13 Interessante visualizar, aqui, aquela velha diferenciação clássica entre a liberdade de contratar e a liberdade contratual, objetivando uma melhor compreensão da matéria.” (TARTUCE, 2022, p. 1349)
Nesse sentido, o art. 422 do Código Civil elenca a obrigatoriedade em os princípios de boa-fé e probidade na conclusão e execução do contrato, e a doutrina compreende que o dispositivo pode ter sua interpretação extendida em todas as etapas de contratar, entendimento amparada na Jornada de Direito Civil (STJ-CJF) Conclusão n. 25.
Em suma, pode-se dizer que o princípio da boa-fé e probidade são de ordem pública, ainda que o contrato seja fruto de ajuste entre as partes, e as tratativas não vinculem de imediato, todos nós estamos sujeitos aos referidos princípios limitadores, pois o foco é resguardar a confiança como bem jurídico das negociações, evitando assim um estado de desrespeito e insegurança.
Em termos de bases fundamentais, há entendimentos que identificam no abuso de direito o fundamento da responsabilidade e outros apontam a proibição do venire contra factum proprium (vir contra os seus atos), isto é, vedação ao comportamento contraditório como fundamento dessa espécie de responsabilidade.
Nesta senda, são exemplos de quebra nos supracitados princípios a situação de conclusão de contrato no qual se sabe haver vício ou prejuízo à parte contrária, ou ainda a ruptura injustificada das negociações, pois é durante as tratativas que as partes visam imprimir suas vontades no ajuste privado, haja demanda por tempo e comprometimento, e hoje mais do que nunca a perspectiva de “tempo é dinheiro” toma contornos cada vez mais fortes, e as pessoas dificilmente envolvem-se em negócios para restarem infrutíferos sem ao menos um justo motivo.
Ademais, o entendimento disposto acima encontra origem na culpa in contraendo formulada pelo alemão Rudolf Von Ihering, o qual leciona o encargo de ressarcir ao indivíduo que injustamente rompe contrato sem justa causa, configurando abuso de confiança, e tal instituo jurídico se refere a responsabilidade pré-contratual.
Contudo, é durante a análise do caso concreto que o magistrado verifica as condições para aplicação da responsabilidade pré-contratual, e pondera aspectos do tempo empregado, as condições utilizadas e como essa expectativa gerada de conclusão lesou.
Além disso, pela Teoria do Dano adotada no sistema pátrio exige a demonstração vínculo entre a conduta de um indivíduo com o dano gerado, logo, uma vez embasada nessa perspectiva, pode-se pleitear também o ressarcimento monetário, conforme o art. 186 do Código Civil.
Em termos jurisprudenciais, o STJ já consagrou a perspectiva de responsabilidade pré-contratual, vide o seguinte o julgamento do Recurso Especial nº 1.051.065/AM:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL. A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da conduta da fabricante no caso em que esta - após anunciar em jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àquela a avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse, obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valores - rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por Jhering, que influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não trazia disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre a cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito das tratativas pré-contratuais. Com o advento do 13 STJ. REsp. 1.051.065-AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013. Revista Eletrônica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro - PGE-RJ, Rio de Janeiro, Edição Especial N.1. 8 CC/2002, dispôs-se, de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422), da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. Nesse contexto, o dever de reparação não decorre do simples fato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material. (STJ. REsp. 1.051.065-AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013)
Em síntese, atenção e guarda de princípios no ato de contratar possui grande importância sobretudo para garantir segurança em ajustes privados, e devem preceder a própria celebração do contrato, sob pena de responsabilização previstas em lei.
Referências Bibliográficas:
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
DE VASCONCELOS, Carlos Henrique. O dever de indenizar decorrente da ruptura injustificada das tratativas: uma análise sobre a responsabilidade civil pré-contratual. Revista Eletrônica da PGE-RJ, v. 4, 2021.
SIQUEIRA, Maria Carolina Vidal. Culpa in contrahendo (responsabilidade civil pré-contratual). JusBrasil, 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/culpa-in-contrahendo-responsabilidade-civil-pre-contratual/1328844192. Acesso em: 15/07/2023.
Nesse sentido, é natural o surgimento de dúvidas acerca do tema e, principalmente, das eventuais responsabilizações as quais estamos eventualmente sujeitos. No presente artigo, não se pretende de modo algum esgotar os dizeres acerca do tema, seria uma verdadeira pretensão irreal, antes disso, se busca de maneira mais prática explicar a responsabilidade antes mesmo de se encerrar o contrato, de modo mais técnico, a responsabilidade pré-contratual.
É de se rememorar que o contrato possui elementos bem definidos como as partes, a forma pela qual se está contratando, o objeto compreendido como bem discutido, e a vontade dos indivíduos. Nesse sentido, a Lei Civil prever no art. 104:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
de inicio compreenda que se trata da etapa preparatória a celebração de um contrato, ou seja, abrange atos de cunho negociais com fins em estipular contrato, ou seja, são tratativas e não precisam ocorrer de forma específica para serem assim entendidas, logo, abarca contato via e-mail, telefone, fax, reuniões presenciais, videochamadas, etc.
Neste ínterim, vale ressaltar que as partes não se obrigam a contratar, haja vista o princípio de liberdade contratual e autonomia privada, nesse sentido, é de se arguir a lição de Tartuce acerca do contrato:
“O contrato, como é cediço, está situado no âmbito dos direitos pessoais, sendo inafastável a grande importância da vontade sobre o instituto, eis que se trata do negócio jurídico por excelência. Entre os clássicos, leciona Carvalho de Mendonça que o domínio da vontade dos contratantes foi uma conquista advinda de um lento processo histórico, culminando com o “respeito à palavra dada”, principal herança dos contratos romanos e expressão propulsora da ideia central de contrato como fonte obrigacional. 13 Interessante visualizar, aqui, aquela velha diferenciação clássica entre a liberdade de contratar e a liberdade contratual, objetivando uma melhor compreensão da matéria.” (TARTUCE, 2022, p. 1349)
Nesse sentido, o art. 422 do Código Civil elenca a obrigatoriedade em os princípios de boa-fé e probidade na conclusão e execução do contrato, e a doutrina compreende que o dispositivo pode ter sua interpretação extendida em todas as etapas de contratar, entendimento amparada na Jornada de Direito Civil (STJ-CJF) Conclusão n. 25.
Em suma, pode-se dizer que o princípio da boa-fé e probidade são de ordem pública, ainda que o contrato seja fruto de ajuste entre as partes, e as tratativas não vinculem de imediato, todos nós estamos sujeitos aos referidos princípios limitadores, pois o foco é resguardar a confiança como bem jurídico das negociações, evitando assim um estado de desrespeito e insegurança.
Em termos de bases fundamentais, há entendimentos que identificam no abuso de direito o fundamento da responsabilidade e outros apontam a proibição do venire contra factum proprium (vir contra os seus atos), isto é, vedação ao comportamento contraditório como fundamento dessa espécie de responsabilidade.
Nesta senda, são exemplos de quebra nos supracitados princípios a situação de conclusão de contrato no qual se sabe haver vício ou prejuízo à parte contrária, ou ainda a ruptura injustificada das negociações, pois é durante as tratativas que as partes visam imprimir suas vontades no ajuste privado, haja demanda por tempo e comprometimento, e hoje mais do que nunca a perspectiva de “tempo é dinheiro” toma contornos cada vez mais fortes, e as pessoas dificilmente envolvem-se em negócios para restarem infrutíferos sem ao menos um justo motivo.
Ademais, o entendimento disposto acima encontra origem na culpa in contraendo formulada pelo alemão Rudolf Von Ihering, o qual leciona o encargo de ressarcir ao indivíduo que injustamente rompe contrato sem justa causa, configurando abuso de confiança, e tal instituo jurídico se refere a responsabilidade pré-contratual.
Contudo, é durante a análise do caso concreto que o magistrado verifica as condições para aplicação da responsabilidade pré-contratual, e pondera aspectos do tempo empregado, as condições utilizadas e como essa expectativa gerada de conclusão lesou.
Além disso, pela Teoria do Dano adotada no sistema pátrio exige a demonstração vínculo entre a conduta de um indivíduo com o dano gerado, logo, uma vez embasada nessa perspectiva, pode-se pleitear também o ressarcimento monetário, conforme o art. 186 do Código Civil.
Em termos jurisprudenciais, o STJ já consagrou a perspectiva de responsabilidade pré-contratual, vide o seguinte o julgamento do Recurso Especial nº 1.051.065/AM:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL. A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da conduta da fabricante no caso em que esta - após anunciar em jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àquela a avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse, obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valores - rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por Jhering, que influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não trazia disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre a cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito das tratativas pré-contratuais. Com o advento do 13 STJ. REsp. 1.051.065-AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013. Revista Eletrônica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro - PGE-RJ, Rio de Janeiro, Edição Especial N.1. 8 CC/2002, dispôs-se, de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422), da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. Nesse contexto, o dever de reparação não decorre do simples fato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material. (STJ. REsp. 1.051.065-AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2013)
Em síntese, atenção e guarda de princípios no ato de contratar possui grande importância sobretudo para garantir segurança em ajustes privados, e devem preceder a própria celebração do contrato, sob pena de responsabilização previstas em lei.
Referências Bibliográficas:
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
DE VASCONCELOS, Carlos Henrique. O dever de indenizar decorrente da ruptura injustificada das tratativas: uma análise sobre a responsabilidade civil pré-contratual. Revista Eletrônica da PGE-RJ, v. 4, 2021.
SIQUEIRA, Maria Carolina Vidal. Culpa in contrahendo (responsabilidade civil pré-contratual). JusBrasil, 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/culpa-in-contrahendo-responsabilidade-civil-pre-contratual/1328844192. Acesso em: 15/07/2023.
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