Acúmulo de Procedimentos e Crise no Poder Judiciário


Publicado em:
11/09/2023
Mariana Pedrosa
Mariana Pedrosa
Advogado

O presente artigo tem como objetivo elaborar uma análise quanto a crise vivenciada
pelo Poder Judiciário, no que concerne ao acúmulo de procedimentos, tendência crescente
desde o ano de 2009, segundo os dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do
Relatório da Justiça em Números 2021, construindo reflexões inerentes ao acesso à justiça e
eficácia da jurisdição estatal prestada e, ao mesmo tempo, analisar também em qual proporção
os meios alternativos de resolução de conflitos poderão amparar no que tange ao esvaziamento
de ações e promover eficácia na prestação judiciária estatal.
Importante destacar, que desde os primórdios da sociedade é possível constatar a
problemática em torno das relações interpessoais, o que restou evidenciado pelo dramaturgo
romano Titus Maccius Plautus (254-184 a.C.) em uma de suas comédias intitulada “Asinaria”
onde ele afirmou que “o homem é o lobo do homem”, frase original traduzida do latim “homo
homini lupus” e divulgada por Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, publicada em 1651, onde
esse último ressaltou que o homem, por seus próprios instintos de autopreservação e egoísmo,
seria capaz de exterminar sua própria espécie, sendo essa circunstância reversível, caso o ser
humano viesse a ser regido por um conjunto normativo e legislativo, o que impediria o regresso
ao estado de violência caracterizador da raça (HOBBES, 1651). Nesse prospecto, extrai-se a
concepção de que uma das vocações humanas é o interminável litígio e a inalcançável paz.

É importante frisar, que o homem, antes do Estado tomar para si a prestação
jurisdicional, resolvia seus litígios tanto pela autotutela quanto pela autocomposição. Porém,
com o fortalecimento daquele, passou a ser prestação pública a responsabilidade de solucionar
os conflitos o que, após a aparição do Estado Democrático de Direito, deixou de ser apenas uma
mera previsão, passando a ganhar, na Constituição Federal de 1988, status de direito e garantia
fundamental, uma vez que o art. 5o, XXXV preceituou que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (BRASIL, 1988), caracterizando, assim, o acesso
à justiça e a inafastabilidade da jurisdição estatal.

Entretanto, o referido acesso à justiça não vem contemplando sua essencialidade, uma
vez que, essa via, tornou-se cada vez mais ampla e o seu uso desenfreado pela sociedade. Os
autores Mauro Capelletti e Bryant Garth, na obra denominada “Acesso à Justiça”,
desmembraram o referido acesso, em três fases distintas, denominadas “ondas renovatórias de
universalização ao acesso à justiça”, onde a primeira previa a ampliação do acesso ao judiciário
pelos mais necessitados, a segunda declinava-se para os direitos difusos e a terceira, passou a
analisar o acesso à justiça pelo viés dos meios alternativos de resolução de conflitos
(CAPELLETTI; GARTH, 1998).

Nesse caminho, demarcado pelas ondas renovatórias de acesso à justiça, onde o
“caminho” foi cada vez mais ampliado, bem como pelo Poder Judiciário ter se mantido o
mesmo diante das mudanças de gerações e pretensões, o Brasil vive, atualmente, o que foi
comumente denominado “Crise do Judiciário”, fenômeno esse, marcado pela ineficiência
prestacional e morosidade processual, que vem, inclusive, não permitindo a aplicação da
previsão constitucional que prevê seguridade quanto a razoabilidade na duração do processo,
assim como os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, uma vez que, tendo em vista
ao mencionado, a junção do amplo e desenfreado acesso, bem como da atuação acentuada por
formalismos exacerbados e tradicionalismos do Poder Judiciário, a prestação judiciária estatal
tem se mostrado ineficaz e insatisfatória para as partes.

Ainda, conforme apontam os autores Dierle Nunes e Ludmila Teixeira, com o advento
da Constituição de 1988 e a garantia de livre acesso à justiça preconizada no art. 5o, XXXV do
referido diploma legal, foi desencadeada uma profusão de litigiosidades que ao mesmo tempo
culminou no congestionamento dos tribunais brasileiros, uma vez que houveram mudanças na
legislação processual, entretanto, sem uma mudança efetiva no que se refere a infraestrutura do
Poder Judiciário em si (NUNES; TEIXEIRA, 2013), conforme explanado adiante.

O Poder Judiciário não mais consegue prestar, de modo eficaz, as demandas propostas
pela sociedade, o que se comprova, pelos dados colhidos pelo Conselho Nacional de Justiça e
divulgado no Relatório da Justiça em Números de 2021, que demonstrou o acúmulo de 75,4
milhões de processos com status pendente. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021)
Há que se enfatizar, também, que o aumento numérico das demandas processuais, está
intrinsicamente ligado à centralização da prestação jurisdicional pelo Estado, que permaneceu
o mesmo diante de tantas mudanças no contexto social vivido pelo país.

A escolha do presente tema para a escrita do artigo, se deu, essencialmente, tendo em vista a ineficácia do
acesso à justiça no Brasil, marcado pela ausência de celeridade e de adequação entre meios e
conflitos, que ensejam em uma enorme insatisfação pelas partes, que ao fim do processo,
costumam sair tão insatisfeitas quanto no momento que ingressaram com as demandas.

Em 2010, ao compreender a necessidade que o ordenamento jurídico se encontrava, o
Conselho Nacional de Justiça promulgou a Resolução no 125, que, de maneira louvável, abriu
portas para que mais tarde, em 2015, o Código de Processo Civil renovou os paradigmas da
justiça e trouxe um novo olhar para os métodos alternativos de resolução de conflitos como via
eficaz de acesso à justiça, maior satisfação e celeridade aos trâmites e consequentemente,
mesmo não sendo um objetivo primordial, desafogar a crise numérica vivenciada pelo Poder
Judiciário.

A aplicação dos métodos alternativos de resolução de conflitos, se aplicados da maneira
correta, são potencialmente solucionadores de problemas, considerando que a eliminação de
todo o ritualismo e formalismo do Poder Judiciário, fora a morosidade, chegam a uma solução
mais rápida, eficiente, pautada na vontade das partes e ainda, concretizando o acesso à justiça.
Entretanto, é importante evidenciar à necessidade de uma mudança no paradigma da
necessidade de mudar a cultura do litígio pela cultura do consenso, para uma busca maior pela
preocupação no que concerne ao desenvolvimento e/ou adoção de alternativas diversas ao que
é tradicional, resguardando o Poder Judiciário para aquelas demandas consideradas de maior
relevo e cuja complexidade pressupõem uma tutela estatal, para que assim, consiga, diante do
esvaziamento de ajuizamentos, a decidir de maneira mais justa, sem generalidades, ao que
realmente demanda uma solução por este.
Conforme mencionado, foi encontrado no processo a única resposta para qualquer
litígio. Neste prospecto, a abordagem do presente tema, justifica-se pela necessidade de buscar-
se instrumentos que facilitem o acesso à justiça, tendo em vista ao abarrotamento de ações
distribuídas, fazendo-se necessária a busca por meios alternativos de resolverem-se as
controvérsias e preservar o Poder Judiciário apenas para àquelas questões onde a composição
não é uma opção, uma vez que, esse último não teve redução de sua relevância, entretanto,
perdeu sua eficiência, haja vista ao uso desenfreado deste como ferramenta para a busca de
soluções de lide, que facilmente poderiam vir a ser resolvidas com o uso dos meios alternativos
de resolução e conflitos, promovendo soluções consensuais, sem decisões finais caracterizadas
por generalismos, bem como a ausência de mudança na estrutura do Poder Judiciário.
O presente estudo obteve como referencial teórico o Código de Processo Civil de 2015, a
Constituição Federal de 1988, as Leis de Mediação e Arbitragem, bem como várias leis que
foram implementadas visando o uso dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

E, nesse liame, buscou-se, aqui, elaborar um estudo acerca do impacto das novidades
elencadas no Código de Processo Civil de 2015 e a relação com a crise, bem como, o quanto os
meios alternativos de resolução de conflitos implicarão em um novo paradigma de pensamento
da sociedade, que deverá estabelecer uma troca entre cultura de litígio para cultura de consenso.

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