Abandono digital: as consequências da negligência parental


Publicado em:
21/07/2023
Myllena Albuquerque
Myllena Albuquerque
Advogado

Apesar das mudanças previstas em legislações anteriores, foi apenas com a Constituição Federal de 1988, ao inserir no nosso sistema jurídico a doutrina da proteção integral, reproduzido no ano seguinte no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que os menores passaram a ser vistos como sujeitos de direito, em posição de vulnerabilidade, necessitados de um cuidado prioritário da sociedade, da família e do Estado.

Entre os direitos que lhe foram reconhecidos, destaca-se o direito à liberdade de expressão, inclusive no ambiente digital, ainda que não de forma irrestrita, visto não terem alcançado o pleno desenvolvimento mental.

Conforme as estatísticas apresentadas ao longo do trabalho, hoje grande parte desse público têm livre acesso aos conteúdos da internet e suas próprias redes sociais e com o passar dos anos, os números só aumentam. Apesar de ser de grande utilidade intelectual, visto muitos utilizarem a internet para ter acesso a livros e toda forma de conhecimento, esse ambiente também é palco de inúmeros riscos virtuais.

Na mesma proporção que aumentou a utilização da internet pelos infanto-juvenis, também aumentou os perigos, decorrente da sensação de impunidade gerada pelo anonimato das redes. Com isso, a internet tem sido um canal para ações de pessoas mal intencionadas, como pedófilos, sequestradores, exploradores sexuais.

Outro problema advindo das redes e que causa graves consequências ao adequado desenvolvimento dos menores é o cyberbullying, ofensas, discursos de ódio proferidos nas redes, divulgação de imagens íntimas, sem qualquer responsabilidade social e afetiva com outro.

Apesar das notícias de ondas de jogos e desafios que colocam as crianças e adolescentes em risco, tendo levado algumas a morte, como o jogo da baleia azul, o desafio do desodorante e tantos outros, os pais ainda não tem encarado a internet como um perigo real.
Nessa questão, discutiu-se a frequente omissão dos pais, enquanto responsáveis legais e incumbidos de velar pelos direitos dos filhos, atribuição dada pela Carta Magna. A essa negligência quanto aos perigos da internet, têm-se chamado abandono digital: crianças abandonadas no mundo virtual.

Cada vez mais cedo, as crianças têm tido acesso a tecnologia, contato com pessoas do mundo inteiro, sem que os pais sequer façam idéia de com quem elas estejam falando ou a que tipo de informação estão sendo expostas.

Uma vez que existe o dever de cuidado e vigilância parental, observou-se a possibilidade de indenização civil dos pais pelos atos praticados ou sofridos pelos filhos na internet, quando os pais deveriam estar exercendo seu dever de proteção. Mesmo que tenham alguns julgados nos nossos Tribunais a respeito da possibilidade de responsabilização civil dos pais nos casos em que os filhos sejam autores, esse entendimento ainda é escasso, e menos ainda consolidado é essa possibilidade quando se trata dos filhos na posição de vítimas.

Ademais, foi visto que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, prevê, nesses casos de negligência e omissão dos pais, como o abandono digital, tema do presente trabalho, a possibilidade de adoção de medidas protetivas previstas. Todavia, essas medidas, apesar de não se tratar de um rol taxativo, apresentam pouca utilidade quando se refere ao ambiente cibernético.

Sendo assim, o abandono digital é um problema real, mas ainda não encarado como urgente, nem nas nossas legislações, nem na jurisprudência. Mesmo que o direito digital seja uma área considerada nova, faz-se necessária a adequação social dos nossos institutos normativos, que devem caminhar atrelado aos avanços sociais, fazendo cumprir a proteção integral determinada na Lei Maior e no ECA.

Retirado do Trabalho de Conclusão do Curso de Direito feito por Myllena Barroso de Albuquerque, 2020.

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