A importância da União Estável como Estado Civil


Publicado em:
30/08/2023
Pedro Caires
Pedro Caires
Advogado

Resumo – Este presente artigo tem o intuito de analisar a união estável, trazer um contexto histórico, como foi amparada pela Constituição Federal como entidade familiar, sua comparação com o casamento e seus regimes de bens. Mostrar porque a união estável não possui um estado civil assim como o matrimônio, mesmo a união estável nos últimos tempos crescendo mais que o casamento. Quais são as consequências que essa falta de amparo do Direito nesta questão causa as pessoas envolvidas neste instituto, sendo que união estável e casamento criam direitos e deveres para as partes.


Palavras-chave: União Estável, Casamento, Estado Civil, Constituição Federal.
Área do Conhecimento: Direito das Famílias.


Introdução

O número de pessoas aderindo a união estável cresce cada vez mais no Brasil, o mundo está diferente, assim como a mentalidade da sociedade, aqueles preceitos canônicos de constituir família, aderir ao matrimônio, estão ficando cada vez mais no passado.
O conceito de família não é mais o mesmo de antigamente, onde as famílias possuíam as mesmas características, um homem, uma mulher e a prole. Entidade familiar, no presente momento, representa muito mais que isso, vez que, é muito comum nos depararmos com famílias compostas por um pai solo com seus filhos, mãe solo, uma avó com seus netos, e a convivência de duas pessoas do mesmo sexo ou de sexo aposto. O principal papel da família é trazer um apoio emocional e laços afetivos.
Após a Constituição Federal de 1988 é que houve o reconhecimento da união estável, nesse sentido houve a obrigação do legislador de reconhecê-la, também, no Código Civil. Assim, a união estável foi equiparada ao casamento, neste mesmo sentido o Direito das Famílias inclui a união estável em sua seara, passando a tratar este instituto com o mesmo rigor e seriedade como trata o casamento. A proteção aos conviventes, a dignidade, a personalidade, os bens patrimoniais particulares e comuns também serão protegidos
Mesmo com tamanha evolução da sociedade e do ordenamento jurídico, ainda faltam algumas proteções que o Direito precisa garantir aos conviventes e aos terceiros, por isso é necessário que a união estável seja reconhecida como estado civil, assim como ocorre com o casamento, com a finalidade de se evitar eventuais fraudes na convivência das partes e que terceiros também não sejam prejudicados, seja para esconder algum patrimônio, adquirir algum bem ou até mesmo fazer parte do inventário caso algumas das partes venha a falecer. A legislação já evoluiu muito nessa questão, porém ainda falta mais detalhes que foram surgindo ao longo desses anos, desde que foi regulamentada pela última e vigente Constituição.

Metodologia

O presente artigo tem como base estruturante a pesquisa bibliográfica, baseando-se em entendimentos presentes em doutrinas, jurisprudências e na legislação brasileira. Utilizou-se também, um apanhado de pesquisas que tratam sobre o tema, a fim de clarear o instituto do Estado Civil e a falta de sua abrangência.

Resultados:

A união estável foi consolidada, de fato, pelo Direito Brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988, entretanto, este instituto é praticado há muitos anos pela sociedade. O ser humano desde os primórdios, sempre necessitou de companhia, seja de amizade ou relação amorosa.
Antes de existir o casamento para o Direito, as pessoas conviviam, se relacionavam e formavam famílias, assim, essa necessidade de constituir prole e deixar legado para as futuras gerações é um costume que existe há milhares de anos. O Direito apenas se adaptou de acordo com o desenvolvimento da sociedade. Nesse ínterim, antigamente a união estável era conhecida como concubinato e era vista como uma ameaça ao casamento, não sendo socialmente e juridicamente aceita. Já para Fernando Torres-Londoño (1999, p. 199), o concubinato nada mais era que “um casamento pela porta dos fundos que se impunha quando impedimentos, desigualdades ou condições de vida não permitiam o casamento ou lhe tiravam seu sentido de aliança econômica.”
A Constituição em seu artigo 226 § 3º diz o seguinte: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Sendo assim, a união estável é equiparada ao casamento, possui os mesmos regimes de bens, pode ser celebrada em contrato escrito, possui direitos e deveres e ambos são considerados como entidade familiar.
Até mesmo no Direito Sucessório, a união estável se iguala ao casamento, se por algum infortúnio um dos cônjuges vier a óbito e deixar alguns bens que foram adquiridos de forma onerosa na constância da união. Deve-se proceder a meação dos referidos bens, vez que, o cônjuge sobrevivente tem direito sobre o patrimônio comum do casal. A união necessita do registro em contrato e nesse momento do registro os conviventes devem escolher o regime que será adotado.
Nessa questão que entra a diferença entra os conviventes registrarem ou não a união, pois se a relação não estiver registrada, não for duradoura, contínua e pública, assim como o casamento, o Direito Sucessório não poderá agir em caso de morte de um dos conviventes. Pois como não se tem registro de que os dois estavam juntos e conviviam em união estável, não há como o cônjuge sobrevivente fazer parte do inventário. Sendo assim a parte deve entrar com ação judicial para comprovar essa união, por meio de fotos, correspondências que tinham o mesmo endereço do casal, bens que foram adquiridos onerosamente enquanto o casal estava junto, tudo isso deve ser levado em juízo para se comprovar a união post mortem.
Quando se fala em Direito Sucessório nesses casos, sempre deve-se lembrar da concorrência que existe, caso o casal ou apenas um deles possua descendentes. O Código Civil em seu artigo 1790 menciona como funciona essa questão de concorrência entre o companheiro ou companheira sobrevivente com os filhos comuns ou descendentes apenas do autor da herança.
Importante ressaltar que a união estável como se equipara ao regime da comunhão parcial de bens igual acontece no casamento, caso haja uma dissolução da união estável e o casal venha a se separar, os bens que os dois conquistaram juntos onerosamente, devem ser repartidos em 50% para cada uma das partes. Assim como manda o Código Civil em seu artigo 1659, para o casamento. Os bens que cada um possuía antes de haver a união, não devem entrar na partilha de bens, pois não são considerados bens comuns.
A união estável pode ser equiparada ao casamento, ser considerada como entidade familiar, estar amparada pela Constituição Federal e Código Civil, entretanto, não possui um estado civil que caracterize os conviventes, assim como ocorre no casamento. A pessoa que convive em união estável apesar de todos os seus direitos e deveres como companheiro, precisa, necessariamente, carregar o estado civil de solteiro. O Direito, porém, nesta questão parece não estar acompanhando essa evolução, deixando de lado alguns assuntos que são importantes e devem ser abordados.
Deve-se refletir sobre este assunto pois, para o Direito, a regulamentação da união estável trará um melhor entendimento de todo o meio jurídico. Com isto, no decorrer destas uniões, haverá a possibilidade de proteger todo bem adquirido pelos companheiros e prevenindo qualquer tipo de fraude que possa ocorrer tanto no decorrer como no término destas uniões.
A sociedade brasileira não possui suficiente conhecimento sobre a união estável e quais são os direitos e deveres de cada convivente. Trazer este tipo de conhecimento à tona para as pessoas é muito importante, ainda mais quando a mentalidade das pessoas vai mudando através do tempo e os números de conviventes vêm aumentando com o passar dos anos.
Criar uma legislação que tratasse especificamente sobre isso e que trouxesse o estado de civil de convivente para aqueles que vivem em união estável, é algo urgente. Até mesmo para que as pessoas não se sintam mais desconfortáveis e de certo modo sofram um preconceito, em falar que vivem em união estável, mas precisam falar que são solteiras.
Pode-se observar essa preferência dos casais a união estável ao casamento, nos dados da CENSEC, central de dados do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) entidade que congrega os cartórios de notas, registrou que os tabelionatos de notas de todo o Brasil registraram um aumento de 57% no número de formalizações de uniões estáveis de 2011 (87.085) a 2015 (136.941), enquanto os casamentos cresceram aproximadamente 10% no mesmo período, segundo o Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), passando de 1.026.736 para 1.131.734 atos realizados.
Ao passar dos anos, a união estável vem crescendo cada vez mais, muitos foram os avanços do Direito em relação a isso. Todavia a sociedade vem se desenvolvendo cada vez mais e o Direito precisa acompanhar essa evolução, para sempre dar o devido suporte que sempre foi dado a sociedade.


Discussão:

Existem diversos motivos para as pessoas preferirem a união estável ao casamento como diz Rolf Madaleno em seu livro Direito das Famílias (2016, p. 1114-1116), como por exemplo, motivos legais e os motivos ideológicos, para se casar as partes precisam preencher alguns requisitos e não podem ter impedimentos com risco de terem seu casamento anulado, como cita o artigo 1550 do Código Civil, historicamente, o casamento era o único meio de se constituir uma família porém, atualmente não são todas as pessoas que possuem essa ideologia, optando assim por manter uma união estável.
O estado civil qualifica-se como uma qualidade pessoal, a importância vem do fato que a partir dessa mudança cria-se impacto diretamente sobre os bens pessoais e os patrimônios onerados de forma conjunta. No casamento altera-se o estado civil de solteiro para casado, porém na união estável mesmo os conviventes entrando em acordo para fixarem uma data de início, criando entre eles um estado de condomínio através do contrato de convivência. Mesmo com todos esses deveres e direitos que os conviventes se submetem, eles ainda são identificados como solteiros pelo Direito.
Um dos problemas de não se ter um estado civil para a união estável é quando o casal possui bens comuns em seus patrimônios, ou seja, as duas partes oneraram aquele determinado bem de forma conjunta, garantindo assim que o casal seja dono do patrimônio. O problema encontra-se na seguinte hipótese, quando uma das partes tenta vender este patrimônio para terceiro, que não possui conhecimento que o vendedor convive em união estável e declara em contrato de compra e venda que é solteiro, a fim de prejudicar o seu convivente.
Deve-se refletir sobre este assunto porque, no mundo jurídico, a regulamentação do estado civil para a união estável trará um melhor entendimento do instituto para todos. Assim no decorrer das uniões que se formarem, ou até aquelas que já existem há um maior tempo. Tem-se a possibilidade de proteger todo bem adquirido pelos companheiros e prevenindo assim qualquer tipo de fraude.
A união estável garante efeitos jurídicos aos conviventes e cria direitos e deveres para ambos assim como ocorre no matrimônio. O regime de bens da união estável é igual ao do casamento, caso as partes não se manifestem na hora do registro, o regime adotado será o da comunhão parcial de bens. Caso os conviventes queiram outro regime, é possível fazer um pacto antenupcial e assim adotar o regime da separação total de bens ou da comunhão universal de bens, como diz o artigo 1725 do Código Civil.
Como bem aponta Rodrigo da Cunha Pereira (2005 p.263), acerca do Estado Civil:
A relevância do estado – de um modo geral e, principalmente, do estado familiar – para o direito é atribuir segurança às relações jurídicas, tendo em vista que ele é definidor e determinante de uma situação patrimonial. Afinal, se alguém se qualifica como solteiro está implícita nesta concepção a ampla liberdade no trânsito dos negócios jurídicos, especialmente o imobiliário, desde que a pessoa seja maior e capaz. No entanto, se alguém se qualifica como casado, entende-se que sua liberdade sofre restrições, sendo necessária a outorga marital ou uxória para alienação dos bens imóveis – exceto nos regimes de separação absoluta e na participação final dos aquestos, inscrevendo-se, para este último, cláusula expressa neste sentido no pacto antenupcial, desde que se trate de bens particulares. O que se busca, neste diapasão, é dar segurança – senão absoluta, pelo menos a maior segurança possível – de forma que seja preservada a boa-fé dos sujeitos de uma relação jurídica, e se reduza a possibilidade de incidência de vícios de consentimento, por conseguinte, da anulabilidade dos atos jurídicos.

Para que se possa fazer um negócio jurídico, a pessoa precisa se valer de alguns requisitos como, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, agente capaz e forma prescrita, todos esses requisitos estão elencados no artigo 104 do Código Civil. Quando o convivente ao fazer o negócio jurídico esconde de terceiro que vive em união estável, caso seja descoberto, este negócio se torna anulável, pois se configura erro substancial, como menciona o artigo 139 do Código Civil.
A união estável atualmente pode ser registrada em contrato nos Cartórios de Registro Civil, sendo assim não se trata apenas de uma situação de fato, está amparada pela Constituição, cria efeitos na vida dos conviventes. Porém nem todas as uniões são reconhecidas em cartórios pelos seus conviventes, porém isso não tira os direitos e deveres que cada parte possui neste instituto. A alteração do estado civil, como ocorre no casamento, traz uma identificação pessoal irreversível e indelegável. Pois, a relação afetiva criada entre os conviventes passa a ser uma coisa só, marcando a história das partes envolvidas.
Desde 2007 que se tem essa ideia de criar um estado civil que identifique as pessoas que vivem em união estável com o Projeto de Lei 2285/07, muitos antes de ser julgado pelo STF a ADI 4277 e ADPF 132 que autoriza pessoas do mesmo sexo a viverem em união. Neste Projeto de Lei, o artigo 63, em seu parágrafo único, menciona que deve ser reconhecido como estado civil a união estável. No caso, cita apenas o homem e mulher, porém como este projeto foi apresentado antes do julgado pelo STF, seriam feitas as mudanças necessárias para que fique de acordo com a sociedade.

Conclusão:

Posto isto, entende-se que com uma legislação dissertando sobre o estado civil para a união estável é de extrema importância. Ao analisar algumas questões práticas, a inclusão do estado civil aos conviventes traria benefícios sociais de cunhos preventivos e evitaria algumas situações, como por exemplo: favorecimento à fraude na aquisição de bens e alienação de bens, sem o conhecimento por parte do companheiro de terceiros, oferecimento do bem em garantia, e possível penhora sem o conhecimento do companheiro.
Estes são apenas algumas situações que podem vir a ocorrer quando não se tem registrado um estado civil para os conviventes. Em que pese o reconhecimento da união estável como entidade familiar, tal fato por si só não basta para a identificação pessoal dos conviventes. Nem mesmo para evitar os conflitos decorrentes das questões patrimoniais, que derivam da ausência da regularização do estado civil. Não adianta dizer que o estado civil de conviventes já é implícito, pois não está estampado, expresso, e, portanto, não existe para os meios sociais nem legais.
Partindo de outro princípio, porém este tratando de uma forma mais pessoal, é o preconceito que as pessoas sofrem por viverem em uma união estável e a difícil caracterização em um âmbito social. Pois como não são solteiras, mas também não são casadas, acabam que por muitas vezes ficando em situação de desconforto perante as outras pessoas, e por muitas vezes acabam pegando emprestado o termo do matrimônio. Falando assim que são casadas, mas na realidade vivem em união estável. Não basta apenas a regularização desse estado civil, é preciso trazer a informação para toda a sociedade, trazendo assim uma maior segurança jurídica para os conviventes.
Pode-se concluir com tudo, que a regularização de tal estado para o Direito é algo que irá beneficiar diversas pessoas. Porém, não se pode apenas fazer a legislação e regulamentação, é necessário trazer este conhecimento para as pessoas e principalmente para os casais que pretendem adotar este instituto em suas vidas. O matrimônio é um instituto presente na vida e no Direito há vários anos já, por ser tratar de um assunto mais recente, a união estável ainda não está nos mesmos moldes do casamento. Todavia, nada que conhecimento e mais seguranças jurídicas não torne este instituto mais conhecido e confiável para a sociedade.

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