A Importância da Aplicação do Princípio da Insignificância no Crime de Posse de Droga para Consumo Pessoal no Brasil


Publicado em:
01/08/2023
Ana Carolina Leite
Ana Carolina Leite
Estudante de Direito

Ana Carolina Almeida Leite
Economista – Acadêmica do Curso de Direito da UNINOVE - SP
RESUMO
A Lei n° 11.343/2006 instituiu políticas públicas e estabeleceu penas para prevenir e reprimir o tráfico, o uso, a aquisição, a posse, a guarda e o porte ilegal de drogas. Ela proíbe a produção, a comercialização, o transporte, a importação, a exportação, o armazenamento, a distribuição, o fornecimento e o comércio de substâncias entorpecentes. Estipula, ainda, que sua infração caracteriza-se como crime inafiançável, passível de reclusão de 5 a 15 anos, além da aplicação de multa.
Essa norma também estabeleceu que a prisão preventiva e a detenção não sejam aplicadas de forma indiscriminada aos usuários de drogas, orientando que sejam adotadas medidas socioeducativas, tais como a prestação de serviços à comunidade, a prestação de serviços a entidades públicas, a recuperação em tratamento ambulatorial ou em internação, ou ainda o comparecimento periódico à autoridade judiciária.
A referida lei trouxe dispositivos para tratar o usuário e aplicar uma maior rigidez para penalizar o traficante. Dado o grande impacto das drogas na comunidade em que são vendidas e consumidas, a doutrina define os tipos penais presentes na lei como crimes de perigos abstratos, isto é, crimes que não requerem uma lesão real ao bem jurídico tutelado, afastando assim a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, mesmo em casos em que o réu esteja portando uma quantidade ínfima de drogas para o seu próprio uso.
Neste trabalho, pretende-se examinar a aplicação do princípio da insignificância à posse de drogas para uso próprio, avaliando se a detenção de uma quantidade ínfima destas substâncias representa ou não um risco para a sociedade.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância, art. 28, Lei n° 11.343/2006, Proporcionalidade, STF.

METODOLOGIA
A pesquisa valerá do método hipotético dedutivo, quantitativo, utilizando-se de pesquisa bibliográfica, doutrinas, artigos científicos, teses de mestrado e doutorado e jurisprudências.

INTRODUÇÃO
A Lei de Drogas, nº 11.343/2006, foi instituída em 2006 para combater o grande número de crimes vinculados ao tráfico e uso de drogas. Esta lei estabelece penas mais severas para traficantes e punição coercitiva aos usuários. A maioria da doutrina entende que estes crimes são de perigo abstrato, o que significa que mesmo que a quantidade de drogas seja insignificante, o agente será punido. Por outro lado, existem posicionamentos doutrinários contrários que consideram que se trata de crime de perigo comum, abrindo caminho para a aplicação do princípio da insignificância.
O princípio da insignificância vem sendo aplicado com frequência no julgamento de crimes relacionados à posse de droga para consumo pessoal. O princípio afirma que, quando a quantidade de substância apreendida é considerada insignificante para fins de comercialização, ou seja, não há intuito de lucro, o acusado deve ser isento de punição.
É importante destacar que a aplicação do princípio da insignificância não isenta o acusado de toda e qualquer responsabilidade pelo crime de posse de droga. O que se pretende é que seja considerada a proporcionalidade entre a quantidade de substância apreendida e a culpabilidade do acusado.
O PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
O Princípio da Insignificância, também conhecido como crime de bagatela própria, tem suas raízes no Direito Romano. Rebêlo (2000, p.77) explica que a expressão latina minimis non curat praetor é usada para descrever a máxima jurídica anônima da Idade Média. De acordo com essa máxima, o magistrado deve desconsiderar os casos insignificantes para se concentrar nas questões realmente importantes.
Claus Roxin foi o responsável por introduzir o princípio do Direito Penal como a proteção dos bens jurídicos essenciais. Ele defendia que atuando de maneira subsidiária, o Direito Penal seria o único ramo do Direito capaz de resolver situações complexas. Para isso, desenvolveu a Teoria do Funcionalismo Teleológico ou Moderado.
Para melhor reforço dessa corrente, analisa-se as palavras de Fernando Capez (2020, Pág.84).
“Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica”.

Nesse mesmo contexto, se tem o posicionamento dos professores Rodrigo Bello e Felipe
Novaes (2020, Pag.36).
“Condutas que, embora descritas em lei como crime, não representam, no caso concreto, uma lesão ou um perigo de lesão grave para o bem jurídico tutelado, não devem ser considerados como crime, esta exclusão do crime se dá tornando o fato atípico, a insignificância exclui a tipicidade em seu aspecto material, tornando o fato atípico”.
O doutrinador Bittencourt (2018, Pag. 82) também ensina:
“A tipicidade penal exige ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos tutelados, pois não é qualquer ofensa a tais bens suficiente para configurar o injusto típico. É indispensável uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal (pena aplicável). Não raro condutas que se amoldam, formalmente, a determinado tipo penal não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode não se configurar a tipicidade material porque, a rigor, o bem jurídico não chegou a ser lesado”.
Para que ocorra um crime punível deve se ter materialidade, autoria, ilicitude e culpabilidade. Quando aplicado o princípio da insignificância, há uma tipicidade formal, porém é retirada a tipicidade material, ou seja, ainda existe uma conduta ilícita com culpabilidade, materialidade e autoria, mas não será relevante o suficiente para que o sistema jurídico seja acionado. Essa tipicidade material afasta a tipicidade penal, pois o ato não possui relevância jurídica. Para que seja aplicado esse princípio são necessários quatro requisitos, já estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, em 2020, no julgamento do Habeas Corpus n° 175.945: ofensividade mínima, nenhuma periculosidade social, reduzidíssimo grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão provocada.
O autor Cleber Masson, em seu livro “Direito Penal - Parte Geral”, explica que a aplicação do princípio da insignificância depende de uma análise profunda do caso concreto, bem como dos requisitos subjetivos e objetivos. Dessa forma, é necessário que se faça uma análise minuciosa da situação para que se possa avaliar se a conduta se encaixa na referida premissa.
“É imprescritível analisar o contexto é que a conduta foi praticada para, ao final concluir se é oportuna (ou não) a incidência do tipo penal. Este é o motivo pelo qual a jurisprudência muitas vezes apresenta resultados diversos para casos semelhantes (2020, Pag. 41)”.
No ordenamento jurídico brasileiro, os princípios são considerados como garantias fundamentais aos agentes, trazendo uma aplicação humanitária das leis. Por isso, é um dever do Estado aplicá-los ao caso concreto, desde que atendidos os requisitos previstos. Bitencourt destaca que:
Todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente, em nossa Constituição (art. 5º), têm a função de orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista. (2003, p.10)
Assim, a adoção desse princípio contribui para aliviar a Justiça do Brasil, pois não serão aplicadas penas desproporcionais e severas em ações irrelevantes para a proteção do bem jurídico. Isso também torna os processos mais rápidos e reduz os custos judiciais.

ART. Nº 28 DA LEI DE DROGAS Nº 11.343/06
A Lei nº 11.343/06, promulgada em 2006, unificou a legislação anterior, revogando as Leis 10.409/02 e 6.368/1976. Ela diferencia as condutas de consumo próprio e tráfico, individualizando-as, em relação às penalidades e tratamentos. O tráfico é punível com rigidez, enquanto o consumo próprio é tratado como meio de coerção e tratamento, não como uma penalidade. Esta lei foi citada por Salo de Carvalho, conforme abaixo:
A legislação preserva o discurso médico-jurídico da década de sessenta com a identificação do usuário como dependente (estereótipo da dependência) e do traficante como delinquente (estereótipo criminoso). Apesar de trabalhar com esta simplificação da realidade, desde perspectiva distorcida e maniqueísta que operará a dicotomização das práticas punitivas, a Lei 5.726/71 avança em relação ao DecretoLei 385/68, iniciando o processo de alteração do modelo repressivo que se consolidará na Lei 6.368/76 e atingirá o ápice com a Lei 11.343/06. (CARVALHO, Salo, p.17, 2010)
A quantidade necessária para determinar se uma pessoa é um traficante de drogas ou apenas um usuário não é especificada na lei referida. Esta avaliação deve ser feita de acordo com a situação específica pelo juiz competente, levando em consideração o local e as circunstâncias da apreensão, os antecedentes criminais do agente e suas condições sociais.
De acordo com o art. 28 da lei, o usuário é definido como "aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". O legislador, com isso, prevê penas alternativas à prisão em flagrante, tais como advertências sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programas ou cursos educativos, a fim de reeducar o usuário e incentivá-lo a sair da dependência.
Portanto, é possível concluir que o legislador, ao estabelecer uma separação entre condutas, busca reduzir a ofensividade ao bem jurídico tutelado, impedindo que o infrator seja totalmente impune, como destacou Paulo Rangel:
“Assim como ninguém conceberia punir criminalmente um dependente de álcool, parece errôneo tipificar a conduta do dependente de drogas ou daqueles que as usam eventualmente. Contudo, não se pode também deixar de compreender que o usuário de droga sustenta o tráfico, gera problemas para a família, para a sociedade e, de certo modo, por uma questão humanitária, não se pode esquecer que a autolesão que pratica afeta a todos de um jeito ou de outro”. (2007. pag.43)
O artigo 48, §1° da Lei 11.343/06 prevê que, quando a pena aplicada for igual ou inferior a 4 (quatro) anos, será seguido o procedimento previsto no artigo 28 da mesma lei, que adota o rito sumaríssimo da Lei 9.099 de 1995.
“O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal. § 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais”.
Sendo assim, o JECRIM tem a responsabilidade de aplicar os institutos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95 ao agente considerado usuário, tais como transação penal, suspensão condicional do processo e composição civil dos danos.

O que é o bem jurídico tutelado?
A Doutrina define o tipo penal previsto no artigo 28 como um Crime de Perigo Abstrato, o que significa que, ao praticar tal tipo penal, é presumida uma ameaça à segurança da sociedade. De acordo com o professor Nucci (2020, p. 241), ao cometer tal tipo penal, está-se implicitamente colocando em risco a própria sociedade.

Perigo abstrato, quando a probabilidade de ocorrência de dano está presumida no tipo penal, independendo de prova (ex.: porte ilegal de substância entorpecente – arts. 28 e 33, Lei 11.343/2006, conforme a finalidade –, em que se presume o perigo para a saúde pública)
A Lei de Drogas visa proteger e prevenir a saúde pública, punindo não apenas o ato de portar drogas, mas também a cadeia de problemas que ela causa à comunidade. Esta lei tem como objetivo não apenas punir o uso e o porte de drogas, mas também aplicar medidas coercitivas, como proibição de frequência em locais e horários, restrição de direitos, internações involuntárias, entre outras. Estas medidas são aplicadas com o intuito de prevenir uso indevido e consequentes problemas à saúde pública.
De acordo com Dario (2016, p.50):
"Não está sendo punida a autolesão, mas o perigo que o uso da droga traz para toda a coletividade". Se é certo que o uso de drogas prejudica a saúde do usuário, o que ninguém coloca em dúvida, também é certo que ele não é o único prejudicado. A coletividade como um todo é colocada em risco de dano. Contudo, nem todos possuem este entendimento, pois punir o usuário estaria o estado entrando na vida privada da pessoa, uma vez que, o estado não puni a autolesão”. (2016, Pag.50)
No entanto, Matheus Guimarães Cury e Jose Carlos Gobbis Pagliuca discordam desse ponto de vista, argumentando que:
“Não estaria o legislador interferindo do direito individual, precipuamente no direito à intimidade da pessoa, punido o direito a auto lesão? se a pessoa pode cortar o braço, se matar ou ingerir veneno, por que não poderia consumidor drogas? O argumento do legislador é o de que a lei não pune o uso, mas sim o porte, visando evitar a disseminação da droga. Ora, como usar sem antes portar o objeto material”? (2016, Pág. 40)
O argumento de o art. 28 da Lei n° 11.343/2006 é de perigo abstrato, bem como a alegação de que a saúde pública é o bem tutelado, não é sustentável juridicamente, pois contraria, inclusive, a expressão típica do dispositivo criminalizador, lavrado pela própria ideologia proibicionista, a qual estabelece os limites para sua incidência pelas elementares elegidas, que determinam expressamente o âmbito individualista da lesividade e proíbem o expansionismo desejado. Pagina 43 [...] Assim, transformar aquele que tem a droga apenas tão somente para uso próprio em agente causador de perigo a incolumidade pública, como se fosse um potencial traficante, implica frontal violação ao princípio da ofensividade, dogma garantista previsto no inciso XXXV do art.5° da CF. (2016, Pag. 44.)
Apesar de haver opiniões divergentes quanto à natureza do crime previsto no artigo 28 da Lei n° 11.343/2006 (se trata de um crime de perigo abstrato ou não), a maioria dos tribunais reconhece que esse é um delito de perigo abstrato. Logo, esse tipo de ilícito não está sujeito ao princípio da insignificância.
Apesar disso, a lei não é suficientemente abrangente para proteger a saúde pública como um todo. Assim, alegar que qualquer conduta criminalizada pela lei possa afetar a saúde pública, considerando sua escala ampla, seria um erro.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
Embora exista certa divergência se o não emprego do princípio de perigo abstrato seja ou não considerado crime, a sua aplicação não deve ser totalmente desconsiderada. Mesmo uma quantidade pequena de drogas pode gerar problemas à saúde pública. Contudo, como o legislador não estabeleceu uma quantidade específica, isso deixa margem para uma maior ou menor punição dos agentes, dependendo do caso concreto.
No julgamento da Apelação Criminal nº 1502632-68.2020.8.26.0536, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 2021, o acusado foi preso portando 20 porções contendo cocaína, pesando 26,7g, após confessar que a droga seria para uso próprio. A defesa pleiteou a atipicidade da conduta com a aplicação do princípio da insignificância, tendo a sua alegação sido julgada improcedente pelo voto da relatora Ely Amioka, uma vez que se tratava de um crime de perigo abstrato.
“Impossível, ainda, se cogitar na aplicação do princípio da insignificância, eis que, nos delitos relacionados a entorpecentes, frise-se de perigo abstrato, o que se busca é a proteção da saúde pública, como já destacada, de forma que o delito em questão efetivamente atinge os bens jurídicos protegidos pelo direito penal”. (2020, pag. 8)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao julgar a apelação criminal n° 20180710043903APJ (0004390-93.2018.8.07.0007), negou o pedido de defesa pela aplicação do princípio da insignificância, considerando que a tutela da saúde pública se sobrepõe ao direito à liberdade do acusado. A Relatora, Soníria Rocha Campos D'assunção, afirmou que, nesse caso específico, a aplicação do princípio da insignificância não é apropriada, pois é necessário resguardar a saúde pública, que se sobrepõe à liberdade do acusado.
“Ademais, o crime em análise é definido como de perigo abstrato, pois o bem jurídico tutelado pela norma é a saúde pública, de forma que não há de se falar em violação ao princípio da liberdade, da individualidade, da vida privada nem da lesividade, porquanto objetiva combater a disseminação do tráfico”. (2019, Pag.19).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o entendimento de que o princípio da insignificância não se aplica ao caso, independentemente da quantidade de substância entorpecente portada pelo acusado. Os tribunais estaduais também mantêm esse entendimento, concordando com a posição do STJ, como se verifica no julgamento do Habeas Corpus nº 387.874 - MS (2017/0027200-0), e rejeitando qualquer alegação de princípio da insignificância, mesmo com quantidades reduzidas de substância entorpecente.
O Ministro Rogerio Schietti Cruz (relator), no seu voto, argumentou que, ao portar drogas, o acusado não está prejudicando somente sua saúde, mas também a saúde pública como um todo. Por essa razão, o Ministro defendeu que, de acordo com a política criminal estabelecida pela Lei nº 11.343/2006, o porte de substâncias entorpecentes para consumo próprio, mesmo em quantidades ínfimas, configura um delito. Isso porque o objetivo da lei é proteger não apenas a saúde do usuário, mas também a saúde pública, considerando a potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 127.573 SP, decidiu aplicar o Princípio ao paciente que foi preso por porte de uma grama de maconha, apesar de já existirem jurisprudências de tribunais de justiça nacionais contrárias. Entretanto, essa decisão foi acertada, pois levou em conta as circunstâncias específicas do caso para evitar uma pena desproporcional.
Em 2012, o Ministro Dias Toffoli reconheceu a aplicação do princípio no julgamento do Habeas Corpus 110.475 Santa Catarina, expondo o seguinte argumento:
“Na realidade, considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor René Ariel Dotti (Curso de Direito Penal - Parte Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 68, item nº 51), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”. (2012, Pág. 4 e 5).
O ministro argumenta que aplicar a pena estabelecida no artigo 28, parágrafo 2°, ao caso em questão não seria proporcional.
“Não há dúvida de que o Estado deva promover a proteção de bens jurídicos supraindividuais, tais como a saúde pública, mas não poderá fazê-lo em casos em que a intervenção seja de tal forma desproporcional, a ponto de incriminar uma conduta absolutamente incapaz de oferecer perigo ao próprio objeto material do tipo”. (2012, pag.14).
O princípio da proporcionalidade é um princípio fundamental de direito que exige que as medidas aplicadas sejam adequadas e proporcionais à gravidade da infração cometida. De acordo com Nucci (2020,Pag. 109), a proporcionalidade está presente na maioria dos sistemas jurídicos e é aplicada como um critério de equilíbrio entre interesses legítimos que entram em conflito. Segundo ele, a proporcionalidade deve ser levada em conta para determinar o tipo e a extensão da pena a ser aplicada a um infrator, para que a medida seja justa e adequada.
O Ministro relator Gilmar Mendes apresentou seu voto a favor da aplicação do princípio da insignificância, fundamentado na proporcionalidade. Ele destacou que a pena deve ser de acordo com o delito cometido e as circunstâncias em que ocorreu o fato, de forma que reflita a gravidade do crime.
“É importante frisar que o princípio da proporcionalidade obsta não apenas a criminalização primária de condutas irrelevantes, mas também o processo de criminalização secundária, de maneira a conduzir o julgador a interrogar se aquela punição, prevista em lei, é proporcional à extensão do dano provocado pelo réu no caso concreto”. (Mendes, p.7, Ano 2019).

CONCLUSÃO
Decisões devem ser tomadas de acordo com leis atuais e com base na análise de cada caso individualmente. A quantidade e as condições dos agentes que portam as drogas devem ser consideradas para determinar a pena apropriada. O fato de ser considerado um crime de perigo abstrato não deve ser o único critério para a determinação de uma pena.
Diante disso, o Judiciário está sendo mobilizado em torno de uma questão insignificante em relação ao bem jurídico tutelado pela lei em questão, pois uma quantidade pequena de substância não seria suficiente para afetar a saúde pública, nem mesmo a saúde do indivíduo.
Para que ocorra uma aplicação justa da pena ao agente, cada caso deve ser analisado de maneira individualizada, considerando os fatores envolvidos na situação e aplicando a penalização de acordo com os princípios constantes do ordenamento jurídico penal.
O entendimento do STF é firme no sentido de que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada, ressaltando, ainda, que a contumácia na prática delitiva impede, em regra, a aplicação do princípio.
Espera-se que, segundo o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância seja benéfica para os agentes que sejam presos com pequenas quantidades de substâncias ilícitas e que estejam em boas condições subjetivas. Isso demonstra o respeito das leis, dos princípios e dos direitos individuais.






















REFERÊNCIAS
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